Nair Brito tinha 32 anos quando descobriu que estava com HIV. Era 1992 e o vírus ainda era considerado uma descoberta recente -- o primeiro caso conhecido da infecção foi relatado em 1981. Separada do primeiro marido e mãe de uma criança de 12 anos, Nair se viu sozinha e com muito medo.
"O pouco de informação que chegou para mim foi absolutamente equivocado. A ideia que nós tínhamos [sobre o HIV] era de que era uma doença moral e qualquer coisa que eu tocasse, eu infectaria com o vírus", conta Brito à CNN Brasil. "Eu pensava: como eu iria chegar em casa e tocar nas coisas? Eu achava que iria infectar o meu filho imediatamente."
Aos poucos, Nair entendeu como a doença funcionava, mas, ainda assim, as opções de tratamento eram poucas na época e os sintomas começaram a ficar mais intensos com o tempo. "Eu tinha a morte como horizonte. Era uma morte iminente. E como organizar a vida diante da morte, sendo que a vida implicava, ainda, um filho? Como eu iria deixá-lo? Como eu iria protegê-lo?", questionava.
A solução que ela encontrou, na época, foi se afastar do próprio filho e deixá-lo aos cuidados do pai. "Foi muito difícil pensar nisso, porque ele era a única coisa que eu tinha. Mas eu tinha que protegê-lo, porque ele não tinha idade para me dar suporte. Hoje eu repenso essa decisão, mas talvez era o melhor que eu podia fazer", relembra.
A luta de Nair pela própria vida se transformou em luta social e por outras pessoas que passaram pelo mesmo desafio que o seu. "A minha história é uma de milhares de mulheres que morreram e os filhos ficaram com esse estigma de ter uma mãe que morre com Aids", afirma.
Com o tempo, Nair se envolveu com instituições e grupos de apoio para pessoas com HIV e Aids. Visitou diversos países para frequentar congressos médicos e se atualizar sobre os tratamentos para a infecção. Foi em uma dessas conferências, no Canadá, que ela descobriu um medicamento antirretroviral que estava salvando a vida de milhares de pacientes em outros países, e que ainda não estava disponível no Brasil.
Procurou uma advogada e pediu ajuda para conseguir o medicamento. A profissional entrou com uma ação judicial para poder ter acesso ao tratamento e conseguiu. Ela não foi a única: outros pacientes, espelhados no sucesso de seu caso, passaram a entrar com ações. Em 1996, o então senador José Sarney apresentou um projeto de lei para que pessoas com HIV recebessem o medicamento gratuitamente. O PL foi aprovado por unanimidade no Senado e a lei nº 9.313 foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Combate ao HIV ainda é cercado de estigmas
O combate ao vírus HIV ainda é um tema cercado de dúvidas, desinformação e estigmas. Com o objetivo de aumentar a conscientização sobre a infecção e a Aids, a OMS (Organização Mundial da Saúde) criou o Dia Mundial de Luta contra a Aids, reconhecido nesta segunda-feira (1º).
Segundo o último boletim epidemiológico de HIV e Aids, divulgado em 2024 pelo Ministério da Saúde, houve um aumento de 4,5% nos casos de HIV em 2023, em comparação a 2022. Por outro lado, a taxa de mortalidade por Aids foi de 3,9 óbitos, a menor desde 2013. Os dados refletem o aumento da capacidade de diagnóstico e do acesso ao tratamento adequado.
O HIV é transmitido por meio do sexo vaginal, anal e oral sem proteção, compartilhamento de seringas e agulhas contaminadas, transmissão vertical (da mãe para o bebê) e transfusão de sangue contaminado ou transplante de órgãos.
"Não existe transmissão por contato casual. O vírus não passa por saliva, suor, lágrimas ou toque. A transmissão ocorre principalmente por relação sexual desprotegida, compartilhamento de objetos perfurocortantes e da mãe para o bebê sem tratamento adequado", afirma Mariana Lama, infectologista do Hospital Geral do Grajaú, unidade gerida pelo Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês.
Os primeiros sintomas da infecção podem surgir entre três e seis semanas após a exposição ao vírus. Inicialmente, os sinais se assemelham a uma gripe comum, com febre, dor no corpo e mal-estar geral. Depois disso, o vírus entra em uma fase assintomática, ou seja, sem sintomas (essa fase pode durar anos, de acordo com o Ministério da Saúde).
Com o enfraquecimento do sistema imunológico, os sintomas passam a se tornar mais específicos, com febre persistente, suores noturnos, diarreia prolongada e perda de peso sem causa aparente. Se não tratado, o HIV evolui para Aids, com o sistema imunológico extremamente enfraquecido e o surgimento de outras doenças, como tuberculose, pneumonia e câncer.
HIV e Aids: qual a diferença?
Embora relacionados, os termos HIV e Aids remetem a coisas diferentes. HIV é a sigla utilizada para nomear o vírus da imunodeficiência humana, como aponta o Ministério da Saúde.
Já a Aids é a sigla que se refere à síndrome da imunodeficiência adquirida, uma doença causada pelo vírus HIV quando não é combatido por medicamentos.
Existem pessoas que vivem com o vírus HIV, mas que vivem anos sem apresentar nenhum sintoma ou desenvolver a Aids. Pessoas que desenvolvem a doença, geralmente, são as que não recebem diagnóstico precoce e não fazem o tratamento adequadamente.
O Ministério da Saúde recomenda que pessoas diagnosticadas com HIV devem iniciar tratamento adequado imediatamente, a fim de impedir que o vírus se replique dentro das células T-CD4+ e evitem, assim, o desenvolvimento da Aids.
Com diagnóstico precoce e adesão ao tratamento, a evolução para Aids pode ser evitada. Quanto antes o tratamento começa, maior a proteção ao sistema imunológico, conforme reforça Lanna.
"Minha luta é pela cura e por medicamentos mais acessíveis"
Hoje, aposentada e com 65 anos, Nair Brito continua atuando pelo combate ao HIV. Dessa vez, seu foco é a cura definitiva da doença e o acesso às novas terapias que têm surgido. "A cada hora aparece uma nova droga, ou de dose única ou semestral, mas o custo delas ainda é abusivo. E eu acredito na cura da Aids", afirma.
Apesar de considerar a distribuição gratuita dos medicamentos antirretrovirais um sucesso do SUS [Sistema Único de Saúde], Nair ainda enxerga desigualdades no acesso ao tratamento. "Eu precisei viajar 300 km para buscar uma parte dos meus medicamentos em São Paulo, porque eles não estavam disponíveis nos serviços de referência. Se em SP está assim, que é onde está o centro de referência e tratamento de Aids, imagina como está em outros lugares?", questiona.
A ativista também luta para que a Lei nº 9.313, que determina a distribuição gratuita dos medicamentos pelo SUS, passe a ser chamada "Lei Nair Brito".
"Embora [a lei] tenha sido articulação do senador, eu acho que seria justo chamá-la pelo meu nome. Não porque eu precise de justiça, eu não preciso de nada disso, mas para dar visibilidade às pessoas. Muitas pessoas estão no anonimato fazendo a revolução que precisamos para dar um outro rumo ao HIV. Então, tem que ser 'Lei Nair Brito', e eu queria que isso acontecesse comigo viva", finaliza.