Jurista descreve escalada automática de bloqueios, com isolamento cambial, travas em infraestrutura digital e interrupção logística
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que ordens de governos estrangeiros não produzem efeito automático no Brasil e só valem com a chancela da Justiça brasileira. Isso é um fato aplicável a qualquer decisão estrangeira.
Consta da decisão monocrática que ficam vedadas “imposições, restrições de direitos ou instrumentos de coerção executados por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país, bem como aquelas que tenham filial ou qualquer atividade profissional, comercial ou de intermediação no mercado brasileiro, decorrentes de determinações constantes em atos unilaterais estrangeiros”.
Publicada nesta segunda-feira, 18, a decisão de Dino foi vista como blindagem a alvos de sanções externas, como no caso da Lei Magnitsky, aplicada ao ministro Alexandre de Moraes pelo governo dos EUA.
O efeito dominó no sistema bancário causado pela Magnitsky
Em vídeo publicado há duas semanas, quando a sanção foi anunciada pelos EUA, o advogado Davi Aragão explicou o que ocorreria se bancos brasileiros ignorassem sanções ligadas à Magnitsky — como determinou agora Flávio Dino. Aragão descreve uma cadeia de reações automáticas nos mercados financeiro, tecnológico, de seguros e de comércio exterior capaz de isolar o país em poucas semanas. Aragão sustenta que basta punir dois ou três bancos para contaminar o restante do sistema financeiro. Se um gigante nacional entrasse na Lista de Cidadãos Especialmente Designados — lista de sanções do Tesouro dos EUA —, perderia correspondentes em solo norte-americano. Além disso, ficaria impedido de liquidar operações em dólar e travaria financiamentos de comércio exterior.Pela “regra de contaminação”, qualquer instituição que continuasse a operar com o sancionado passaria a ser vista como suspeita. O cenário levaria grandes bancos a se desconectarem preventivamente para não arriscar acesso ao mercado norte-americano.
O roteiro, segundo ele, tem protocolo de escalada: dia 1, o primeiro banco é sancionado; dia 3, correspondentes nos EUA cortam relações; dia 7, redes de pagamento internacionais bloqueiam transações; dia 15, bancos europeus recuam por medo de contágio; dia 30, o sistema nacional estaria praticamente isolado.
Swift e o apagão digital
A segunda frente, diz o advogado, viria da infraestrutura de tecnologia. Provedores globais — Amazon Web Services (hospedagem), Microsoft (sistemas), Oracle Corporation (bancos de dados), Cisco (redes) e VMware (virtualização) — reveriam compliance e retirariam suporte por risco de violação de sanções. O cronograma projetado por ele traz semanas de desligamentos graduais: na primeira semana, revisão e aviso de migração; na segunda, cancelamento de licenças e updates; na terceira, bloqueio de Interface de Programação de Aplicações e distribuição de aplicativos; na quarta, colapso operacional. Nesse quadro, Pix e cartões sofreriam instabilidade severa. Além disso, Aragão afirma que cerca de US$ 370 bilhões compõem as reservas brasileiras. Contudo, do montante, US$ 280 bilhões estão em títulos e depósitos sob jurisdição norte-americana e europeia.Em sua leitura, o Departamento do Tesouro poderia abrir investigação administrativa de compliance, o que congelaria o acesso a parcela relevante desses ativos por tempo indeterminado. Sem reservas plenamente disponíveis, o país perderia poder de defesa cambial.
Outro ponto é o desligamento do Brasil da Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (Swift) — uma sociedade de comunicação bancária. Atualmente, a rede conecta 200 países e mais de 11 mil instituições financeiras.
Aragão chama o desligamento progressivo do Swift de “arma nuclear” do sistema. A sequência, portanto, teria três estágios: ameaça formal que faz bancos globais reduzirem transações com o Brasil; uso restrito com atrasos e custos maiores; e, por fim, expulsão de instituições nacionais da rede.
Como resultado, exportadores e importadores ficariam sem meios seguros para receber e pagar, paralisando o comércio exterior.
“O Brasil vira uma ilha financeira”, afirma o advogado. “Não consegue receber pagamentos de exportações. Não consegue pagar importações realizadas. O comércio internacional brasileiro para completamente, entrando em colapso total.”
Sanções e o risco às commodities
Já no mercado de grãos, energia e mineração, Aragão projeta a criação de uma “lista de contaminação comercial”. Ao sancionar duas ou três tradings de grande porte, os EUA induziriam o restante do setor a evitar compras no Brasil por medo de punição subsequente.A consequência seria um choque de receita externa em produtos que respondem pela maior parte das exportações. “Ou seja, ninguém poderia comprar do Brasil sem sofrer algum tipo de sanção dos Estados Unidos.”
Por sua vez, o comércio internacional depende de seguros marítimos e aéreos. Segundo o advogado, a pressão sobre grupos seguradores nos EUA e na Europa levaria a uma recusa de cobertura para cargas brasileiras, o que bloquearia embarques e encareceria fretes de forma abrupta.
Monitoramento global reduz brechas para burla de sanções
Aragão, enfim, relata a existência de um sistema global de monitoramento que cruza centenas de campos de dados de cada transferência para identificar padrões suspeitos em segundos. Pelo seu relato, a inteligência artificial financeira reduziria brechas para burla de sanções por meio de bancos intermediários ou rotas atípicas.“É um sistema de inteligência artificial que monitora trilhões de transações”, explica o advogado. “Cada transferência bancária gera 200 pontos de dados: origem, destino, valor, horário, tipo de moeda. Se você transferir dinheiro para alguém sancionado com uso de um banco intermediário lá em Singapura, eles detectam em apenas 30 segundos.”